O bloco Filhos de Gandhy, constituído exclusivamente por homens, foi criado por um grupo de estivadores baianos em 1949 e, hoje, tem 15 mil integrantes
Se você é brasileiro ou mora no Brasil, com toda a certeza já ouviu falar do manto branco da Bahia no Carnaval de Salvador. Parece um tapete imenso, uma visão mística com cheiro de alfazema e som de agogôs, tambores, e cânticos de ijexá na língua iorubá, mas é mais do que isso: é o maior bloco de afoxé da capital baiana, formado por milhares de pessoas, fundado há 75 anos, prega a não-violência e homenageia o ativista indiano Mahatma Gandhi.
O bloco Filhos de Gandhy, constituído exclusivamente por homens, foi criado por um grupo de estivadores baianos no dia 18 de fevereiro de 1949 — 75 anos depois, está cerca de 15 mil integrantes. Além das roupas brancas, turbantes e frasquinhos com alfazema, tem um outro assessório que, há anos, se tornou um dos ícones do Carnaval de Salvador: os colares de conta azul e branco, já conhecidos como “colar dos filhos de Gandhy”.
Originalmente, os colares, considerados amuletos da sorte, eram oferecidos aos foliões com o objetivo de desejar-lhes paz durante o Carnaval e ao longo do ano. Mas, com o passar dos tempo e a popularização do bloco, especialmente entre os homens jovens, o assessório ganhou mais uma função: a de moeda de troca por um beijo.
Quem já foi ao Carnaval de Salvador, já deve ter visto a cena: um Filho de Gandhy se aproxima, geralmente de uma foliã, oferece um colar e, em troca, ganha um beijo. Alan Iverson Oliveira, 33, sai no bloco há 12 anos. Hoje, casado, ele já não troca mais colares por beijos, mas acredita que a tradição tem crescido entre os associados.
“Com a popularização do bloco, a tradição tem aumentado. Principalmente com a venda do abadá em locais como a Central do Carnaval, por exemplo. Acredito que a forma que o bloco é vendido, principalmente para os turistas, vem carregando essa tradição. Tenho percebido que grande parte dos associados tem respeitado mais as mulheres, não forçando algo que elas não queiram”, opina ele.
Para Matheus*, inclusive, que saiu no bloco em 2018, quem mais mantém a tradição do beijo viva é justamente os foliões que vem de fora, do interior da Bahia e de outras cidades do Brasil. “É muito forte com o público do interior e com quem vem de fora, os turistas brasileiros e estrangeiros”.
A ORIGEM DO BEIJO
Assim como Gandhi, lá atrás, propagou a paz e o respeito, os Filhos de Gandhy também propagam — inclusive, na hora do beijo. Manoel Pedro, de 30 anos, sairá no Gandhy pela sexta vez em 2024. E sobre a troca de beijos, ele aponta: “Cada pessoa que sai no bloco tem a sua intenção, suas vontades. Acho que o beijo no Carnaval é consequência, e não é apenas no Gandhy, isso faz parte de todo o Carnaval”.
Em 2020, na saída do bloco, o presidente do afoxé, Francisco Lima, fez um discurso de respeito às mulheres, e pediu que os associados evitassem beijos forçados e não colocassem mulheres para o lado de dentro das cordas.
À época, um dos diretores do bloco, João Paulo, disse que, por mais que já tenha se popularizado, a troca de colares por beijo não é uma cultura pregada pelo afoxé. “O Gandhy não foi criado com esse intuito. Na verdade, o associado tem um carinho especial pela mulher, até porque elas nos dão um suporte antes, durante, e depois. Elas que confeccionam nossos turbantes, elas que nos arrumam para o Carnaval”.
De acordo com João Paulo, a brincadeira com o colar pode ter surgido justamente por causa dessa presença feminina nos bastidores: “A mulher acompanha o companheiro ao lado da corda. Acho que, a partir daí, surgiu essa cultura de oferecer o colar por um beijo”.
Nesses mais de dez anos de bloco, Alan Iverson nunca notou olhares ou palavras de repreensão dos diretores ou integrantes mais velhos em relação à troca de colares em si — basta não desrespeitar as cores e a tradição do afoxé:
“Com a tradição [da troca de colares por beijos] em si, nunca vi repreensão, mas com os artifícios que alguns associados fazem pensando na tradição. Por exemplo, a confecção de colares de cores que não fazem parte do bloco, como rosa e roxo, ou com acessórios que também não fazem parte, como ursinhos. O incômodo aumenta quando essas pessoas também saem com essas coisas dentro das cordas dos blocos, pois descaracteriza totalmente o afoxé”.
Este ano, os Filhos de Gandhy saem nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro.
Fonte: aratuon.com.br