Ex-jogador do Atlético e da Seleção Brasileira, Richarlyson assume ser bissexual, durante participação em podcast, e critica homofobia no futebol
Ex-jogador do Atlético e da seleção brasileira, o ex-volante Richarlyson, hoje comentarista esportivo, resolveu quebrar um ‘tabu’ do mundo do futebol ao assumir ser bissexual. A declaração foi feita durante participação no podcast “Nos armários dos vestiários”, série sobre homofobia no futebol, produzido pela Feel The Match.
“A vida inteira me perguntaram se sou gay. Eu já me relacionei com homem e já me relacionei com mulher também. Só que aí eu falo hoje aqui e daqui a pouco estará estampada a notícia: “Richarlyson é bissexual”. E o meme já vem pronto. Dirão: “Nossa, mas jura? Eu nem imaginava”. Cara, eu sou normal, eu tenho vontades e desejos. Já namorei homem, já namorei mulher, mas e aí? Vai fazer o quê? Nada. Vai pintar uma manchete que o Richarlyson falou em um podcast que é bissexual. Legal. E aí vai chover de reportagens, e o mais importante, que é pauta, não vai mudar, que é a questão da homofobia. Infelizmente, o mundo não está preparado para ter essa discussão e lidar com naturalidade com isso”, afirmou Richarlyson.
O ex-jogador explicou porque não se posicionou antes sobre o tema, ainda quando atuava profissionalmente. “Eu não queria ser pautado por causa da minha sexualidade, de eu ser bissexual. Eu queria que as pessoas me vissem como espelho por tudo aquilo que conquistei dentro do meu trabalho. Eu nunca coloquei a minha sexualidade à frente do meu trabalho, e nunca faria isso. E eu não estou falando isso agora porque parei de jogar. Muita gente maldosa vai falar isso, que eu falei agora porque não jogo mais. Não. Eu nunca falei porque não era a minha prioridade, como não era hoje, mas hoje eu me senti à vontade de falar. Eu queria que não existisse essa pauta. Eu queria estar falando aqui da minha nova carreira (comentarista). Mas é importante”, destacou.
Apesar disso, Richarlyson se mostrou descrente de que seu posicionamento vá ajudar a ‘melhorar’ a situação em relação a homofobia no país.
´”Pelo tanto de pessoas que falam que é importante meu posicionamento, hoje eu resolvi falar: sou bissexual. Se era isso que faltava, ok. Pronto. Agora eu quero ver se realmente vai melhorar, porque é esse o meu questionamento. Ah, mas sua fala pode ajudar. Não, não vai ajudar. Quem é Richarlyson, pelo amor de Deus?! Sou um mero cidadão comum, que teve uma história bacana no futebol, mas eu não vou poder mover montanhas para que acabem esses crimes, para que acabe a homofobia no futebol”, lamentou.
Em toda sua carreira, Richarlyson sempre conviveu com as ‘especulações’ sobre a sua sexualidade. Em 2007, o então dirigente do Palmeiras, José Cyrillo Júnior insinuou em rede nacional que o jogador seria gay. Richarlyson chegou a registrar queixa-crime contra José Cyrillo.
A queixa, entretanto, foi indeferida, já que o juiz do caso, Manoel Maximiniano Junqueira Filho, arquivou o processo alegando que não seria razoável aceitar homossexuais no futebol e chegou a citar na sentença que futebol “é coisa de macho, não homossexual”.
“Isso, sim, me deixou muito triste porque em nenhum momento eu senti que aquilo era uma coisa normal. Era uma coisa muito pejorativa. Isso foi muito ruim não só para mim. Ser homossexual não é demérito para ninguém, e no futebol não deveria ser um assunto tão polêmico. Nunca deixei que isso atrapalhasse o que eu quero para minha vida, não vai ser uma frase, uma palavra, uma discussão ou um cara babaca que tentou de forma vulgar maltratar uma classe. Pelo amor de Deus, quanto sofrimento tem na classe LGBTQIA+?”, questionou.
O ex-jogador ainda afirmou que nem mesmo o pai (ex-atacante Lela) ou o irmão Alecsandro (que atuou por Atlético e Cruzeiro) sabiam a respeito de sua sexualidade.
“Só falei abertamente com a minha mãe. Meu pai e meu irmão vão saber pelo podcast. Nada jamais foi questionado, nunca me olharam torto na vida por nada que eu tivesse feito. Eu sempre brinco que tudo aquilo que sou hoje é porque em casa tive uma formação totalmente rígida na questão de educação e respeito, mas acima de tudo com uma clareza e naturalidade para enfrentar o que quisesse da forma que eu visse, não da forma que meu pai, minha mãe ou meu irmão estivessem vendo”.
Críticas desproporcionais
Mesmo com carreira vitoriosa dentro de campo, nunca foi alçado a condição de ídolo da torcida, seja no São Paulo ou no Atlético, clubes em que conseguiu a maior parte de seus títulos.
Para Richarlyson, as críticas que recebia sempre eram ‘desproporcionais”. “Todo dia eu tinha que mostrar algo diferente. Um erro meu era peso cinco. (As pessoas) me atacavam mesmo, parecia uma matilha de lobos. E eu sabia, nunca fui craque, nunca fui tecnicamente incrível, mas era inteligente de saber o que eu poderia fazer para sempre estar à frente dos demais”
Richarlysson também comentou sobre a presença de gays no futebol. “Seria hipócrita de falar que não existem. Existem, sim. E ele (jogador) falar que é, a porta vai fechar absurdamente. Vai fechar mesmo, porque ainda existe esse lado, que eu acho tão pobre nos clubes, de estarem nas mãos das torcidas organizadas, que são quase sempre quem comandam nessa questão da homofobia”.
Richarlyson pediu punições mais severas no combate à homofobia no futebol. “Pelo menos agora a juizada está tomando conta da situação. Mas tem que ser mais, tem que punir o clube, tem que ficar com uma câmera mesmo só para isso lá no estádio, para pegar quem é. E ter mesmo punição. Se a punição é três anos de cadeia, se eu não me engano, tem que punir esse cara, fazer ele ficar um ano fora do estádio, fazer o clube pagar por essa situação de ter sido homofóbico. Só assim vai melhorar”, finalizou.
Por fim, o ex-volante criticou a falta de posicionamento dos jogadores a respeito da homofobia. “Têm que se posicionar melhor sobre a situação, especialmente os héteros. Não é questão de vestir a camisa com um arco-íris. É, quando acontecer essa situação de homofobia, sair de campo. “Espera aí, a torcida não está respeitando o meu companheiro ou meu adversário como ser humano? Então, eu não vou voltar a jogar”, finalizou.
Fonte: otempo.com.br