Décimo quarto vereador mais votado por Salvador, o pagodeiro Igor Kannario, 31 anos, está longe de representar a maior vergonha eleitoral da cidade nestas eleições. Candidato pelo PHS (Partido Humanista da Solidariedade), o cantor virou alvo fácil das críticas nas redes sociais pela vida pregressa — foi preso três vezes, sendo duas delas portando quantidade de maconha.
A crítica a Kannario é válida quando recorre ao clichê das celebridades que se arvoram na política sem ter exatamente uma agenda pública de atuação. Em sua rápida propaganda na TV, o cantor repetia promessas difusas para capturar um eleitor mais interessado em seus dotes artísticos que na performance parlamentar: “Salve, salve, minha favela! Vou gritar por vocês de uma maneira diferente com a mesma verdade”, dizia, soando vazio, nas inserções.
No entanto, determinar a Kannario, tal qual uma Geni tatuada e periférica, todos os males de um eleitorado “burro, alienado e inconsequente” é incorrer em duplo erro. Primeiro porquê temos razões maiores para apontar uma crise de representatividade em nosso legislativo municipal (e voltaremos a ela em breve aqui neste mesmo texto). Segundo, e não menos importante, atribuir tais qualitativos a estes eleitores é assumir uma postura conveniente de bastião do Olimpo, se autodeterminando na condição de julgar aqueles que não compreendemos e nem fazemos o mínimo esforço para isso.
O eleitor que vota em Kannario o enxerga como um ícone forjado na própria favela. Alguém que deu certo na vida repetindo signos e modelos de atuação bem próximos e facilmente reconhecíveis. Enxergá-lo na Câmara não é necessariamente um demérito. Embora fosse desejado que seu discurso político pudesse avançar para além da representação social — e não esvaziar em si mesmo.
Fora isso, temos motivos mais graves para criar ‘nojinho’ desta nova legislatura. Dos 43 vereadores eleitos neste domingo (2/10), temos apenas oito mulheres. Isso representa apenas 18,6% do total. Em uma época que se discute feminismo, emponderamento e equidade de gênero não conseguimos eleger nem 20% de mulheres no nosso parlamento municipal.
O mais triste é constatar que, a despeito dessa baixa representatividade, há um crescimento em relação à última eleição. Em 2012, foram eleitas cinco vereadoras. Agora, três a mais. Doses homeopáticas do que o jogo eleitoral ainda marcado por um machismo incurável. Dos mais de mil candidatos a vereador na capital baiana apenas 327 das candidaturas correspondem ao gênero feminino — uma marca propositadamente inflada para bater os 30% de isonimia de sexos exigidos por lei pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Outra informação que chama a atenção desta nova composição na Câmara é a base do prefeito ACM Neto (DEM), recém eleito. Não bastasse uma frente implacável de mais de 789 mil votos para a segunda colocada — o que denota amplo apoio popular –, o prefeito terá tranquilidade diante de uma oposição enfraquecida e que precisará se viabilizar primeiro para, só depois, tentar contrapor propostas e ideias.
Só da coligação de ACM Neto são 30 vereadores (quase 70% da Câmara). Outros dez sem posição definida e, vejam só!, apenas seis da oposição. Há ainda três eleitos da Igreja Universal (sendo um deles o segundo mais votado da cidade, o Pastor Luiz Carlos); quem sempre foi petista, mas aos 45 do segundo tempo correu para o lado do prefeito (o ex-professor de história Carballal, do PV) e, até, ativista animal que emporcou a cidade com santinhos no dia da votação (a debutante Marcelle Moraes, do PV).
Se Kannario está longe de ser nosso melhor exemplo de parlamentar, veja só, como diria o próprio:
“o bonde é pesado, fique ligado.”
Texto e foto: André Uzêda