Retirar quantidades massivas de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera é um desafio que, até o fim do século, deverá ser superado pela humanidade para que catástrofes climáticas não tornem a vida na Terra mais difícil. Soluções propostas até então podem ser efetivas, mas exigem altos investimentos em produção de energia e equipamentos, além de materiais não tão fáceis de se conseguir (a exemplo do hidrogênio), o que as torna inviáveis, por enquanto.
Entretanto, um grupo de cientistas europeus adotou uma abordagem inédita que pode mudar os rumos dessa história: eles arquitetaram novas vias metabólicas capazes de incorporar gases em reações celulares de forma nunca vista. Considerando que na natureza não existe algo que combine todos os elementos necessários para uma aplicação parecida, concretizar um projeto dessa magnitude é uma tarefa extremamente complexa.
É certo que funções assemelhadas muito menos potentes, espalhadas por diversas etapas em diferentes reações, fazem parte da rotina de unidades estruturais e funcionais de seres vivos, mas, levando em conta o nível de eficácia e a capacidade de captação dos poluentes esperados, são apenas bases para teorias mais ousadas.
Uma vez identificadas as substâncias químicas mais comuns presentes em células e etapas intermediárias de consumo de CO2 , era preciso detectar quais enzimas poderiam lidar com o material – e foi a isso que os pesquisadores se dedicaram, construir algo que, em teoria, caberia à evolução.
Reconhecendo peças
Três etapas são necessárias para a ocorrência de vias metabólicas, em que cada uma fornece, por meio da ação de enzimas, substrato necessário para a seguinte e, das 11 substâncias avaliadas pela equipe, algumas naturais e outras artificiais, duas agiram de maneira aceitável.
É preciso ressaltar que aminoácidos que participam desses processos são programados para encerrarem atividades enzimáticas após determinada atuação, o que limita seu trabalho. Pensando nisso, primeiramente os pesquisadores os alteraram para que não parassem, como manda o protocolo, aumentando seus desempenhos de 30% a 60%, dependendo da abordagem.
A segunda etapa foi mais complicada, e a única descoberta foi uma atividade “muito baixa, mas mensurável” de um conjunto de enzimas que sofreram intervenção. A partir da montagem de um verdadeiro quebra-cabeça dessa variedade, uma forma com três mutações e atividade 50 vezes mais potente foi identificada, portanto o “tempo de vida útil” aprimorado permitiria capturar mais carbono da atmosfera.
Sensacional, mas…
Testar tais enzimas foi fácil, afirmam os responsáveis pela descoberta. Uma delas, inclusive, funcionou sem modificações significativas, gerando uma molécula de três carbonos intimamente relacionada ao glicerol, que pode ser usado por uma ampla variedade de vias, muitas das quais levam a moléculas maiores e mais complexas.
Isso é incrível de uma perspectiva energética, pois, em tese, a solução capturaria 2 vezes mais carbono em cada ciclo e consumiria 20% menos recursos que o originalmente necessário, com o adicional de continuar atuando independentemente dos níveis de oxigênio gerados.
Aliás, incorporar essa enzima a uma reação que eliminaria um contaminante utilizado na manufatura de plásticos PET não está descartado, porém nada foi testado em organismos vivos, apenas em bactérias, o que impossibilita, neste momento, uma aplicação mais ampla.
Ainda falando dos “contras”, um grama das enzimas necessárias eliminaria apenas 1,3 miligrama de dióxido de carbono por minuto, levando 13 horas para extrair um grama inteiro de dióxido de carbono da atmosfera, dependendo do fornecimento de energia, permanecendo inviável.
Mesmo nesse caso, os testes se restringiram ao sistema externo das células em uma solução, portanto não se sabe se o método funcionaria na parte interna, o que é necessário para se encontrar “a chave para uma biocatálise sustentável e uma bioeconomia neutra em carbono”, afirmam os pesquisadores.
De todo modo, a equipe deu os passos iniciais de algo que pode, eventualmente, auxiliar o planeta. No futuro, poderemos, talvez, atuar junto à natureza para otimizar o trabalho incrível que, hoje, é realizado apenas por ela.
O estudo completo pode ser encontrado na revista Nature.
Fonte: https://www.tecmundo.com.br/