Especialistas alertam para as consequências comportamentais e os riscos que a prática pode trazer para a saúde das crianças.
Sim, crianças são fofas por natureza e realmente é difícil conter a vontade de abraçá-las o tempo todo. Mas será que existe um limite para as demonstrações de carinho entre os pais e pequenos? Recentemente, o comportamento de Tom Brady, jogador de futebol americano e marido da modelo Gisele Bündchen, causou polêmica nas redes sociais. O atleta apareceu no documentário “Tom Vs Time”, dedicado a contar a sua trajetória profissional e pessoal, dando um beijo na boca no filho mais velho. Enquanto algumas pessoas criticaram a atitude dele, outras disseram que também estão acostumadas a fazer isso.
Na maioria das vezes, essa prática nada mais é do que uma manifestação de afeto. Apesar disso, ela é vista como desnecessária por muitos especialistas, que acreditam que há outras maneiras de representar o amor pelos baixinhos. “O beijo na boca é uma forma de relação entre duas pessoas que têm ligação erótica – como um casal – e isso pode confundir a cabeça das crianças. A gente precisa entender que a sexualidade existe desde sempre, mas é preciso marcar essa diferença para que elas saibam o que é selinho e o que não é”, comenta Renata Bento, psicóloga e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.
Outro problema apontado pelos profissionais é o fato do baixinho começar a reproduzir essa conduta com outras pessoas. Como entende que se trata de uma confirmação do sentimento que os pais têm por ele, pode passar a dar selinhos nos coleguinhas e não estranhar quando desconhecidos solicitam o mesmo – o que é extremamente perigoso. Nesse sentido, o melhor caminho é sempre optar pelo diálogo. “Se você explicar que o papai e a mamãe beijam na boca, mas que ela não pode porque é criança e que só adultos fazem isso, ela vai entender. É preciso esclarecer que só namorados têm esse hábito e que crianças não namoram. O risco é ‘adultizar’ precocemente os pequenos”, ressalta a psicanalista.
Carol Braga, psicóloga de São Paulo especializada em infância e família, também não recomenda que os cuidadores sigam esse costume porque acredita que ele pode, sim, trazer consequências comportamentais. “Muitos pais me questionam dizendo que é uma forma de demonstrar carinho, que não há segundas intenções, mas eu acredito que eles são responsáveis por passar para a criança os papéis que temos em sociedade: de filho, amigo e, quando for adulto, namorado. Temos outras formas de manifestar o amor que não é só pelo beijo na boca”, afirma. Também é por esse motivo que conteúdos destinados aos adultos – como novelas, que mostram relacionamentos amorosos – não devem fazer parte da infância.
Ciúmes
Há casos em que o pequeno pode se sentir excluído por ver os pais beijando na boca e não fazer parte disso. E ele pode reagir de formas diversas: fazendo birra, chorando e, quando é maior, até mesmo verbalizando o problema. Mais uma vez, conversar é a melhor alternativa. “A criança pode sentir ciúmes, mas não porque tem um desejo inapropriado e, sim, por não ter maturidade para avaliar a questão. Mesmo assim, os pais não devem ceder. Não é recomendado dar selinhos nos filhos em nenhuma idade”, aconselha Carol.
Saúde
Na maioria dos casos, o que leva os pais adotarem esse tipo de comportamento é o fato de não resistirem à fofura do filho. E, muitas vezes, o hábito é criado quando ele ainda é recém-nascido. Maria Zilda, pediatra e coordenadora do Pronto Atendimento Infantil do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, explica que essa demonstração de carinho não é indicada. “Até os primeiros 30 dias de vida, recomendamos cuidado porque o sistema imunológico do bebê é muito frágil. Depois disso, ele começa a ser formado e a criança vai desenvolvendo com o tempo as suas defesas. Mas há, sim, o risco de adquirir infecções derivadas da boca dos adultos”, afirma.
E há duas maneiras dos vírus serem passados para os baixinhos: pelas mãos (como o caso do rotavírus) e por gotículas da saliva – que acarretam, principalmente, problemas respiratórios como a bronquiolite. “Temos também o influenza que, de tempos em tempos, trazem surtos com o H1N1. A gente não deve beijar o bebê na boca porque podemos colonizá-los por esses vírus. Por isso falamos que, quando o pequeno tem alta do hospital, os cuidadores precisam ser firmes com as visitas e evitar ficar passando o filho de colo em colo”, afirma Teresa Uras, coordenadora do Núcleo de Perinatalogia e da UTI Neonatal do Hospital Samaritano Higienópolis, também da capital paulista.
Na hora de conhecer o pequeno que acabou de chegar ao mundo, as pessoas devem conter a vontade de beijá-los no rosto e nas mãozinhas, que frequentemente são levadas à boca. Além disso, é necessário que todos lavem bem as mãos, passem álcool gel e, preferencialmente, retirem os acessórios como anéis e pulseiras. Os médicos são unânimes em dizer que os selinhos podem, sim, trazer prejuízos sérios para a saúde das crianças. Teresa ressalta, ainda, que os anticorpos são passados para o filhote pela placenta e, posteriormente, pelo leite materno e as vacinas.
“É absolutamente errado os pais acharem que está tudo bem beijar os filhos na boca. Por exemplo, a mãe pode sair para trabalhar, contrair o vírus influenza, chegar em casa e dar um selinho no bebê, que também vai ficar doente. Quando falamos de aconchego, não precisamos passar por essa questão. O sentimento pode estar relacionado com outras medidas de conforto como o aleitamento materno e a participação ativa do pai nos cuidados”, informa a neonatologista do Samaritano.
Fonte: bebe.abril.com.br