Relações intermediadas pela tecnologia, demora em sair da casa dos pais e banalização da atividade sexual ajudam a explicar fenômeno
À primeira vista, parece um contrassenso, mas fato é que, apesar de nas últimas décadas terem havido diversas conquistas em relação à liberdade sexual, pesquisas têm registrado que os jovens de hoje fazem sexo com menos frequência que os jovens de gerações passadas. Para se ter uma ideia, um estudo sueco divulgado no ano passado indicou que, considerando-se a faixa etária de 18 a 24 anos, 31% dos homens e 19% das mulheres disseram não ter tido relações nos 12 meses anteriores ao inquérito. Em 2002, menos de 20% deles e 15% delas diziam não ter transado nesse mesmo intervalo de tempo. Os dados foram apurados pelo Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, e pelo Departamento de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos.
Esse crescente desinteresse pelo sexo vem sendo chamado por especialistas de “apagão sexual”. Um fenômeno que causa algum espanto em uma sociedade que tem valorizado mais a livre expressão da sexualidade e em que alguns tabus, como a virgindade antes do matrimônio ser entendida como uma virtude, tornaram-se apenas remotos. Por que, na contramão dessas dinâmicas socioculturais, o apetite para o prazer erótico parece regredir?
Na avaliação do sexólogo Theo Lerner, o acontecimento não deve ser lido como um legado do conservadorismo, mas, entre outros fatores, como um efeito do advento tecnológico, que proporcionou dois fenômenos relacionados ao declínio dos índices de interações sexuais entre pessoas jovens. De um lado, há o acesso ilimitado a todos tipo de informações, “incluindo conteúdos pornográficos, que acabam por banalizar e estereotipar a prática sexual”, diz. De outro, há a virtualização das relações promovida pelas mídias sociais.
“Neste contexto, os relacionamentos passam a ser conduzidos como um videogame, com baixa tolerância à frustração, troca frequente e rápida de parceiros e com foco quase exclusivamente na atividade sexual. Os relacionamentos, então, passam a competir com outras formas de entretenimento menos trabalhosas e frequentemente perdem esta competição”, avalia o membro da divisão de clínicas ginecológicas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP). E a pandemia de Covid-19 pode também contribuir para o afastamento dos jovens na medida em que o contato interpessoal se tornou mais dificultado, o que reforçou as formas de comunicação virtuais, complementa o estudioso.
Mas o “apagão sexual” não pode ser explicado apenas pela forte presença da tecnologia como intermediadora das relações humanas. “A atividade sexual pressupõe uma certa autonomia dos envolvidos. Jovens que demoram para amadurecer têm maior dificuldade em navegar nas incertezas do relacionamento interpessoal”, observa o sexólogo, lembrando que o fenômeno, em alguma medida, parece estar associado às estatísticas de uma tendência crescente em todo o mundo – e na América Latina, em especial. Ocorre que, nos últimos anos, filhos têm adiado cada vez mais a saída da casa de seus pais.
O comportamento fez que esse grupo de pessoas, muito associado à classe média, ficasse conhecido pelo nome de Geração Canguru. No Brasil, um a cada quatro jovens de 25 a 34 anos ainda vive com a família, mesmo possuindo renda própria. O dado mais recente sobre o tema foi levantado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em 2015. Vale lembrar que, mais uma vez, a emergência sanitária pode acentuar o fenômeno ao forçar jovens a retornarem à casa dos pais ou a adiarem a sua saída diante de um cenário de crise. Contudo, é fundamental ponderar que a associação entre maturidade e autonomia e a saída da casa dos pais não é direta e imediata.
Banalização do desejo. Outro aspecto que contribui para a queda do interesse por sexo é “a banalização da atividade sexual, que diminui o impacto da surpresa e da transgressão, que tinham maior importância para as gerações anteriores”, aponta Theo Lerner. “Da mesma forma, os riscos sociais decorrentes das falhas de comunicação entre os participantes podem tornar o sexo algo assustador”, acrescenta.
Autonomia para dizer não. Em um mundo que fala mais abertamente sobre sexo, há também maior liberdade para dizer “não”. Tanto que, hoje, fala-se sobre fenômenos como o estupro no contexto do casamento, um conceito sobre o qual pouco se debatia anos atrás e que defende a autonomia de a pessoa não se sujeitar ao sexo apenas para satisfazer sua parceria. Mais um sinal dessa conquista é a maneira menos tímida como pessoas passaram a se identificarem como assexuais.
Estudos e carreira. O especialista não acredita, todavia, que a priorização dos estudos e da carreira impacte nesse declinar do prazer sexual. Para ele, esses aspectos da vida entram na conta quando se fala na primeira gestação, que tem acontecido cada vez mais tardiamente. Mas, em relação ao “apagão sexual”, “a associação entre a diversidade de opções de lazer, a indisponibilidade para relacionamentos interpessoais e a baixa tolerância à frustração parecem ter uma influência maior”.
Fonte: https://www.otempo.com.br/