Estamos em ano de eleições e a série de História da Tecnologia vai fazer uma pausa nos produtos e nas empresas pra falar de política. Calma, o negócio aqui não é propaganda: vamos contar a história do voto no Brasil até chegar na urna eletrônica. Isso inclui a origem, a evolução e, claro, as polêmicas.
Bem antes do eletrônico
Antes de contar a história da urna, a gente precisa rapidinho falar como era o voto no Brasil antes disso. A primeira eleição em terras nacionais foi em 23 de janeiro de 1532, quando os moradores da vila de São Vicente, em São Paulo, elegeram o Conselho Municipal.
O voto foi indireto, ou seja, eles elegeram as pessoas que elegeriam o conselho — o que já era um começo.
Aí saltamos pra 1821, quando o voto não é mais separado em cada município, mas sim em caráter nacional. Homens livres de 25 anos (ou 21, pra casados e militares), alfabetizados ou não, elegem representantes da corte portuguesa. O voto não era secreto e não tinha partidos.
José Antônio Saraiva.
Três anos depois, em 1824 e já independente, o país ganha a sua primeira legislação eleitoral, pra eleger a assembleia que ajudou a definir a constituição daquele ano. Em 1881, é promulgada a Lei Saraiva, de autoria do ministro José Antônio Saraiva. Ela traz a obrigatoriedade do título de eleitor e eleição direta pra vários cargos. Só que rolava muita fraude nessa época, porque os processos eram bem falhos e sem grande fiscalização.
A era da República
Em 1891, data da constituição republicana, é instituído pela primeira vez o voto para presidente. Mas a eleição daquele ano, que elegeu o marechal Deodoro da Fonseca, foi indireta. E o período da República Velha, de 1889 a 1930, ficou conhecido por muita malandragem.
Era a “república do café com leite”, com políticos paulistas e mineiros se alternando no cargo, e a chamada eleição a bico de pena. Essa expressão é o método da época, com voto aberto e não secreto, com o eleitor divulgando o candidato pra ser registrado pelo mesário.
Aí tinha voto de gente morta, a mesma pessoa votando em várias seções, voto alterado na hora da escrita e o chamado “cabresto”, que era o controle de coroneis e grandes figuras da época, que abusavam do poder e usavam até ameaças pra comprar votos de cidades inteiras. Cabresto é aquele arreio de corda pra controlar animais.
Uma máquina de votar
Só em 1932 o voto para mulheres é liberado ainda de forma restrita e a Justiça Eleitoral é criada pra organizar eleições. O código eleitoral desse ano dava margem pro uso de uma “máquina de votar”, e Sócrates Puntel em 58 monta a primeira urna mecânica. Ela tinha duas teclas e réguas pra mostrar os cargos. A invenção é reconhecida, mas não chegou a ser usada.
Aliás, nesse ano é instituída a urna de metal e madeira pra guardar os votos. Depois, era usada uma urna de lona pra fazer isso. Aliás, só em 1955 surge a primeira cédula eleitoral oficial, na eleição vencida por Juscelino Kubitscheck com um funcionamento bizarro: presidente e vice podiam ser de chapas separadas.
A primeira cédula eleitoral do Brasil.
Por conta dos períodos eleitorais de 1937 a 1945, que foi o Estado Novo de Getúlio Vargas, e de 1964 até 1985, com o regime militar, eleições diretas pra cargos majoritários nacionais foram proibidas. No segundo caso, o congresso chegou a ser dissolvido e só dois partidos foram permitidos por vários anos: a ARENA e o MDB. O povo brasileiro exigiu o retorno do voto direto em 1983 e 84, o que demorou mais um pouco pra acontecer.
O início da tecnologia
O ano de 1986 marca uma revolução da tecnologia na política. É aí que começa o cadastramento único de eleitores, informatizando dados de 70 milhões de brasileiros. Com as fichinhas descentralizadas de antes, fraudes eram fáceis. Em 1988, temos eleições diretas novamente para algumas categorias municipais e o voto pra analfabetos é reinstituído. O voto ainda era completamente manual, a contagem era demorada e cheia de chance de dar errado.
Uma apuração de votos em uma urna de lona.
Aí a gente precisa ir até Brusque, interior de Santa Catarina. O juiz Carlos Prudêncio tinha um sonho de fazer a apuração dos votos de forma mais rápida. Ele começou a pensar em usar uma novidade da época, o computador, mas recebeu um não do Tribunal Regional Eleitoral de lá. Mas ele tocou a ideia com a ajuda do irmão, dono de uma empresa de eletrônicos, e em 82 já fez uma contagem eletrônica de votos na região, sem testar em período eleitoral.
Em 89 teve eleição presidencial e no primeiro turno Brusque virou destaque nacional por uma apuração registrada antes de todo o resto do Brasil. O motivo? Os votos foram feitos por um computador adaptado e um software inovador. Como o sistema não era oficial, o voto foi contado também pelo processo tradicional, e o resultado bateu.
Carlos Prudêncio e um dos computadores usados.
Nas eleições municipais de 90, outra seção de Brusque foi informatizada agora até com terminal pra apuração. Representantes do TSE, o Tribunal Superior Eleitoral, foram cidade dos tecidos conferir o feito, mas o projeto não foi adiante.
Mas quando começou pra valer? Em 94, o TSE do ministro Sepúlveda Pertence estreou o processamento eletrônico dos resultados com recursos da Justiça Eleitoral. Essa rede, que nasceu antes da urna, é um dos fatores que ajuda na divulgação rápida dos vitoriosos.
O nascimento da urna
Um ano depois, uma equipe de especialistas assume o projeto. Os escolhidos eram os ninjas, batizados pelo mistério do projeto e pela ascendência japonesa da maioria. Seus nomes são Paulo Nakaya, Osvaldo Imamura, Mauro Hashioka, Antonio Marcondes e Giuseppe Janino. Três deles eram técnicos do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, um analista da CTA, Centro Técnico da Aeronáutica, e um servidor do próprio TSE, o Giuseppe, que hoje é atual secretário de lá em tecnologia de eleições.
Giuseppe Janino e a sua criação.
Logo de cara, usar um PC tava fora de cogitação por não ser seguro e porque o brasileiro tava começando a ter a sua primeira máquina em casa. Aí nasceu o projeto do “coletor eletrônico de voto”, ou CEV, que foi rebatizado pra um nome bem melhor que é urna eletrônica.
Desde o começo ele já tinha características bem definidas. É um dispositivo que funciona de forma individual e combina tela, teclado e CPU numa só máquina. Precisa ser muito fácil de usar, e as teclas numéricas são parecidas com de um telefone. O primeiro modelo tinha teclado de membrana, depois substituído pelo de relevo.
Em 1996, pela primeira vez o TSE usou a urna eletrônica. Foram 57 cidades com o equipamento pra 200 mil eleitores, e desde já pra votar em branco tinha tecla, mas pro nulo precisava colocar números que não eram de nenhum candidato. Esse modelo de 96 era fabricado pela OMNITECH e tinha uma impressora acoplada que imprimia o voto, depois depositado em uma urna de plástico. Isso foi abolido em 98, voltou em 2002 e foi substituído em 2004 por um registro digital.
Evoluindo o método
Aí em 2000, com novas eleições municipais, todo eleitor brasileiro passa a usar esse novo sistema, que ainda ganha suporte a fones de ouvido pra deficientes auditivos. Em 2002, a urna larga o VirtuOS e passa a usar Windows CE como sistema operacional. Em 2009 é que entrou uma modificação do Linux feita diretamente por uma equipe do TSE.
Em 2005, a urna foi usada em uma situação diferente: a do referendo que decidiu sobre o comércio de armas de fogo e munição, quando a proibição venceu.
Em 2008, começa outra nova tecnologia, a da biometria, que logo passa a ser obrigatória. Já em 2010 a novidade é o voto em trânsito pra quem não está na sua zona eleitoral. A evolução mais recente é de 2018, com um aplicativo pra smartphones que substitui o título do eleitor.
A urna atual foi remodelada em 2017 pra ser mais moderna, funcional e modular, mas o visual novo tá sendo implementado aos poucos. Ela tem uma estrutura simples, com uma bateria de 12 horas de duração pro caso de falta de luz, além de duas memórias.
E esse formato de voto tecnológico se espalhou, queira você goste ou não. Em 2014, foram cerca de 530 mil urnas usadas no Brasil, e são 23 países e alguns estados norte-americanos que usam um sistema parecido com o nosso em pleitos nacionais.
E a segurança?
Casos de corrupção estão presentes desde a época do Império, mas o TSE garante que a urna eletrônica nunca foi invadida durante uma eleição e que o aparelho é inviolável nas condições atuais de segurança. De acordo com o órgão, softwares não autorizados resultam no bloqueio da urna, e o tribunal inclusive faz testes públicos de segurança pra que equipes de especialistas tentem burlar a assinatura digital.
Quem discorda é um pesquisador chamado Diego Aranha, que era da Universidade Estadual de Campinas. A equipe dele é a principal crítica do TSE há anos por vários motivos: o software proprietário, o Termo de Confidencialidade dos testes, o pouco tempo de acesso às urnas, falta de transparência e por aí vai. Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal negou o voto impresso como confirmação do eletrônico agora pra 2018, o que já pouparia algumas críticas.
Diego Aranha.
Os responsáveis por descobrir falhas já tiveram acesso ao log de votos de um sistema e não descartam que é possível mudar resultados ou alterar textos na tela, com uma invasão bem grave executada em testes de 2017. O que falta é tempo pra testar esses ataques nas condições que simulam as reais. Até agora, todas as vulnerabilidades encontradas em testes foram corrigidas pelos técnicos do TSE.
O TecMundo já fez uma entrevista bem completa com o professor Diego Aranha. Recentemente, ele até deixou o Brasil por uma desilusão generalizada, mas esses esforços de fiscalização não vão acabar.
…
E essa é a história da urna eletrônica, uma tecnologia que de um jeito ou de outro faz parte da história da tecnologia e do Brasil. O TecMundo não vai entrar na discussão de segurança ou falta de segurança, aqui o papo foi a história e a evolução.
A gente apresentou os dois lados, e cada um escolhe a explicação que acha a mais correta. O fato é que esse sistema existe e é o vigente por aqui.
Fonte: TecMundo – youtube.com