Além de toda a insegurança política, o Brasil continua a jogar contra seus empresários quando o assunto é abertura comercial.
No discurso que fez quando assumiu a presidência, Michel Temer disse que uma de suas prioridades era “estabelecer bases sólidas” para que a política externa voltasse a representar “os valores e interesses permanentes no nosso país”. “A recuperação do prestígio do país e da confiança em seu futuro serão tarefas iniciais e decisivas para o fortalecimento da inserção internacional da nossa economia”, disse.
Mais de um ano depois – e com o presidente quase fora do poder – o país andou milímetros na “inserção internacional da nossa economia”. Além de toda a insegurança trazida por sucessivas crises políticas, o Brasil continua a jogar contra seus empresários quando o assunto é abertura comercial.
De acordo com o Open Market Index, o ranking da abertura de mercado da Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês), publicado na última semana, o Brasil é o 69° país mais aberto do mundo, entre 75 pesquisados.
No ranking, está pior do que a Argentina, que fica em 68ª com todos os problemas conhecidos, Quênia, Uganda, China e Índia e ocupa a última posição entre os países-membro do G20 – o grupo de 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. Nas seis posições que ficam abaixo do Brasil estão Bangladesh, Nigéria, Paquistão, Etiópia, Sudão e Venezuela, em último.
“O Brasil perdeu uma janela de oportunidade, que aconteceu antes da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, de se inserir de forma mais ativa no comércio internacional. Nossas políticas foram na direção contrária, como o incentivo ao conteúdo local e a proteção elevada de alguns setores”, diz Gabriel Petrus, diretor executivo da ICC, responsável pelo estudo, no Brasil.
Ainda de acordo com Petrus, o país poderia ter se blindado da recessão que está passando caso tivesse se aberto mais para o exterior quando teve a oportunidade. “Não é uma coincidência o país ser um dos mais protecionistas e enfrentar a mais grave recessão econômica da atualidade”. Uma inserção maior no mercado internacional ajudaria a economia brasileira em um momento em que a política tem outras preocupações.
O péssimo lugar do país não significa que nada tenha sido feito nos últimos anos. De 2015, ano do último ranking, para agora, o país subiu uma posição e melhorou 0,1 ponto em uma escala que vai de zero a 6. Na nota geral, o Brasil ficou com 2,4 pontos, abaixo da média de abertura para negócios dos outros países pesquisados. É muito pouco.
O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) até trabalha para melhorar o ambiente, com iniciativas como o lançamento, em março deste ano, do portal único do comércio exterior – uma medida que estava no radar há anos, mas não saia do papel. O portal elimina boa parte da burocracia para as exportações nacionais ao reunir em um só lugar diversos trâmites obrigatórios para os exportadores.
“É uma ótima iniciativa e quem precisa disso para o comércio internacional vem sentindo essa evolução no trabalho do ministério, mas ainda há muito para ser feito, principalmente com projetos que não dependam de aprovações do legislativo, e que, em teoria, são mais simples de se pôr em prática”, diz Wagner Parente, da consultoria especializada em comércio exterior Barral M Jorge.
O aumento no número de acordos bilaterais para agilizar a entrada e saída de produtos do país seria uma forma de resolver burocracias sem depender de esforços legislativos. Chamados de Programas de Operador Econômico Autorizado, hoje o país só tem um acordo do tipo, com o Uruguai, e negocia com os Estados Unidos.
Passos maiores
Para o Brasil se inserir de fato no mapa do comércio internacional, só medidas simples não são suficientes. Algumas agendas que podem tornar-se realidade em um futuro próximo, no entanto, têm condições de modificar isso. O acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, por exemplo, ajudaria o país a melhorar algumas posições no ranking de abertura comercial da ICC.
Há uma expectativa que isso se concretize até o final do ano, de acordo com conversas paralelas que aconteceram durante o G20. O Parlamento Europeu discutiu na última semana os avanços possíveis nesse acordo. Agora que a entidade europeia já fechou uma parceria parecida com o Japão, anunciada há alguns dias, o Mercosul subiu uma posição na fila de prioridades.
Ainda assim, para chegar ao nível de abertura de países como Singapura, o primeiro do ranking da ICC, existem vários outros problemas que devem ser corrigidos, como a alta tarifa para importados, que diminui a competitividade dos produtos brasileiros. Uma empresa de tecnologia que paga caro para importar componentes não vai conseguir vender seus produtos para fora do país porque eles serão mais custosos que os dos concorrentes.
“A nossa média tarifária para importações, pegando todos os setores, fica entre 12% e 14% e isso é muito alto comparado com a média de países desenvolvidos, onde fica entre 2% e 4%. Nós temos picos de impostos que passam dos 30%, como no setor automobilístico”, diz Parente. Para completar, ainda existem barreiras não tarifárias que são criadas com o mesmo intuito, o de fechar o mercado nacional.
Isso cria um ciclo vicioso. A tarifa alta reserva espaço no mercado nacional e dificulta a importação produtos que tornariam o Brasil mais competitivo internacionalmente. Com o mercado reservado e dificuldades em vender fora do país, a indústria inova pouco, perde ainda mais competitividade e torna-se ineficiente e cara, inclusive para o comércio interno.
Com os impostos de importação que tornam quase obrigatório produzir no Brasil, os brasileiros pagam o preço mais alto do mundo em um veículo, por exemplo. Quanto maior a dificuldade de competir com estrangeiros, maior a pressão por parte dos empresários para que se mantenha a proteção tarifária.
O resultado dessa política os brasileiros já sabem: produtos caros e com qualidade inferior. Em outros setores, como o de serviços, a história é parecida. No longo prazo, políticas como essa dificultam a modernização e, por consequência, a inovação na economia.
O MDIC até tem um regime que reduz temporariamente a alíquota de importação e bens de capital e de informática e telecomunicações quando não existe uma produção nacional equivalente. Muitas vezes, porém, o processo é tão moroso que as indústrias preferem pagar a alíquota cheia a esperar que o tema seja deliberado em uma das reuniões da Câmara de Comércio Exterior que decidem sobre o assunto – o que pode demorar meses.
Um bom exemplo a ser seguido pode estar aqui do lado. Desde o primeiro ranking lançado pela ICC, em 2011, o Peru subiu dezenove posições graças a mudanças que aconteceram principalmente na estrutura de tarifas de importação e na facilitação na captação de investimento estrangeiro direto.
“A evolução na posição do Peru se deve a uma grande melhoria na política comercial do país, que agora é classificada como ‘excelente’. Este não é apenas o melhor resultado na América Latina, mas também o quarto melhor na nossa amostra de 75 economias”, diz o estudo publicado em 2015. O país, que hoje é 34º no ranking da ICC, estaria em uma posição melhor se não tivesse problemas com a abertura de mercado e a infraestrutura.
Um bom começo para essa virada por aqui poderia ser recomeçar a negociar grandes acordos internacionais, além de acelerar as conversas bilaterais para derrubar barreiras. Nesse caso, o engessamento que o Mercosul impõe ao Brasil também atrapalha negociações mais robustas. Hoje, o país representa 1,2% do comércio mundial. “Se compararmos o Brasil com outros países em desenvolvimento, teríamos capacidade para representar entre 4% e 5% do comércio mundial com tranquilidade”, diz Parente.
Efeito Trump
A chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos com uma postura antiglobalização – e o caso de políticos com visões similares surgindo em todo o mundo – é algo que preocupa o ICC. Na carta da edição 2017 do ranking, o presidente da instituição, John Danilovich (que já foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil), disse que “pela primeira vez na memória viva, vemos a divisão em termos de ideologia e atitude sobre como devemos lidar com as consequências da globalização”.
“Embora não devamos ignorar as preocupações legítimas sobre o comércio, também devemos ter em mente o poder comprovado dos mercados abertos para impulsionar grandes aumentos de prosperidade e oportunidades econômicas”, disse.
Para Danilovich, não há retorno possível para a globalização e a discussão deve centrar-se em “como melhor aproveitar o poder das economias abertas para beneficiar mais pessoas”.
O ex-secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, costumava dizer que “Argumentar contra a globalização é como argumentar contra a lei da gravidade”. Trump, é contra um mercado mais livre por opção política. O Brasil, até aqui, por uma corrosiva mistura de incompetência, corrupção e inoperância.
Fonte: http://exame.abril.com.br