As fotos e vídeos da paraibana Luciene Gonçalves descendo as escadas no seu baile de formatura carregando latinhas tomaram as redes sociais desde o sábado (1º). Se as imagens já chamam a atenção, a história de vida da sucateira de 35 anos serve como exemplo de dedicação e superação.
A descida com latinhas não era em vão. Foi a forma que ela encontrou para homenagear o marido, também sucateiro. Ela se formou em Serviço Social pagando os quatro anos de faculdade com o dinheiro que conseguia com a venda de reciclagem. Ela se formou em uma faculdade particular de Sousa, no Sertão paraibano, onde mora com a família.
ESTUDOS INTERROMPIDOS
Mãe aos 20 anos, Luciene terminou o ensino fundamental e deixou os planos de estudar de lado para trabalhar e ajuda a sustentar a família. Atualmente ela tem duas filhas, sendo uma de 14 anos e outra de 12.
A profissão de sucateiros do casal foi herdada do avô de Pedro Filemon, 35 anos, o marido de Luciene. “O avô do meu marido tinha um depósito de reciclagem. Com um tempo a gente percebeu que ele [o avô] já estava ficando cansado, por causa da idade, e decidimos começar a entrar no negócio”, disse ela.
Quase dez anos após concluir o ensino médio, longe dos livros e dedicando-se apenas ao trabalho, Luciene decidiu voltar aos estudos e realizar o sonho da graduação. A escolha do curso não foi tão difícil.SONHO DE FAMÍLIA
A sucateira não sonhou com a graduação sozinha. Quando decidiu fazer o curso ela também estimulou o marido a estudar junto para tentar uma graduação. Ele escolheu o curso de administração e também entrou na faculdade na mesma época que Luciene. Os dois foram aprovados na mesma seleção.
“Minha família me estimulou e eu também incentivei meu marido. Passamos noites e noites estudando e treinando redação. Não foi fácil, depois de tanto tempo voltar a estudar”, conta ela.
Durante os quatro anos de curso, conseguir o dinheiro das mensalidades exigiu esforço e sacrifício. Cada centavo era contado. Conciliar trabalho, família e estudo foi outro desafio. Mas a situação ficou complicada mesmo no último ano de curso. Há nove meses, o pai de Luciene começou a enfrentar problemas renais e passou a fazer sessões de hemodiálise.
“Eu também tive que organizar o tempo para levar meu pai para as sessões, todas as semanas, na terça-feira, quinta-feira e sábado. Mas eu nunca desanimei. Às vezes chegava na sala de aula chorando, mas também encontrei amigas que foram como irmãs, que me apoiaram. Essa foi a época mais difícil, pois ocorreu quando eu já estava fazendo meu trabalho de conclusão de curso”, disse Luciene.
FESTA EXCLUSIVE PARA LUCIENE
Luciene e Pedro entraram na faculdade juntos e terminaram o curso juntos, mas apenas Luciene teve festa de formatura. “Meu marido abriu mão de fazer a formatura dele para que fosse feita a minha. Este também foi mais um motivo para homenagear ele. Eu não fiz isso para aparecer. Eu quis homenagear e confesso que estou um pouco surpresa com a repercussão que está tendo”, conta ela.
Agora formada, Luciene disse que deseja um emprego na área, mas confessa que ama trabalhar como sucateira. “Por mim, eu trabalhava de dia com sucata e de noite como assistente social. Eu quero crescer na vida, mas nunca esquecer minhas origens. E se um dia for necessário eu sou capaz de largar tudo pra ir catar latinha na rua. Não tenho vergonha, pois foi com o dinheiro da reciclagem que eu sustentei minha família”, conta ela.
Exemplo de vida e inspiração para as filhas que já estão concluindo o ensino médio, Luciene disse que seu grande segredo é não perder tempo, reclamando dos problemas da vida. “E eu sempre digo ao meu marido que não reclame, pois quem reclama não sai da lama. Eu tinha que ser alguém na vida, não ser só sucateira, mas ter um curso superior pra dar exemplo para as minhas filhas. Tem gente que trabalha em escritório e diz que não tem tempo para estudar. Eu trabalho dentro da sujeira e pra mim não faltou garra pra terminar meu estudos. Tem gente que reclama de barriga cheia”, disse Luciene.
Fonte: G1 – jnhoje.com