Cantor e compositor multi-instrumentista baiano festeja sucesso entre adolescentes de música lançada há 36 anos e detalha projeto de um novo álbum com download gratuito
A música Haja Amor, do cantor, compositor, arranjador e multi-instrumentista baiano Luiz Caldas, em parceria com Chocolate da Bahia, lançada no álbum Lá Vem o Guarda, um dos primeiros do músico, estourou em 1987.
O tsunâmi de letra otimista e melodia convidativa tomou conta de rádios brasileiras e de outros países 36 anos atrás. E também dois anos depois do primeiro sucesso nacional de Caldas, Fricote, parceria com Paulinho de Camafeu, conhecida também por ”Nega do Cabelo Duro”, que embalou a criação do ritmo deboche.
Eram tempos sem internet popularizada e, muito menos, redes sociais. Hoje, aos 60 anos, Caldas se diz orgulhoso e ao mesmo tempo surpreso com o retorno aos holofotes de Haja Amor, cantada, curtida e rebolada pela molecada da geração Z, de no máximo 25 anos, na internet e nas redes sociais.
Apenas no TikTok, mais de 233 mil vídeos de dancinhas ao som da música foram postados até agora. A coisa continua a crescer.
“Minha neta de 20 anos me alertou para o movimento”, lembra ele. “Comecei a observar e dei muitas risadas. A música está provocando até mesmo um conflito positivo de gerações. O importante é que todo mundo está se divertindo.”
Filho de uma família pobre de Feira de Santana, na Bahia, Luiz César Pereira Caldas fez sua primeira apresentação cedo, aos 7 anos, e não parou mais. No início da década de 1970, mudou-se para a também baiana Vitória da Conquista. Aos 10 anos, passou a correr cidades em apresentações, como integrante de conjuntos musicais.
Na vida do “é preciso tocar tudo” de músico dos bailes da vida, acabou aprendendo, com seu talento, a tocar vários instrumentos sem professores. É músico autodidata — e dos bons. Faz, com desenvoltura, solos de guitarra e outros instrumentos com base em temas que vão do rock pesado ao jazz, passando pela música de trio e o que mais surgir de vontade no momento.
Caldas é um dos precursores da mais recente geração do Carnaval baiano. O ritmo fricote, ou deboche, lançado por ele, é uma mistura bem azeitada de pop e reggae, temperada por ijexá, frevo, samba e pitadas caribenhas. Muitos o consideram o pai do que se convenciou chamar de axé music. Caetano Veloso o qualifica como “filho primogênito” do ritmo.
Nesta conversa generosa com o R7 ENTREVISTA, Luiz Caldas revela seu prazer em ver Haja Amor novamente na boca e na cintura dos jovens e adolescentes. Conta histórias saborosas sobre a retomada da música e dá detalhes de seu mais recente projeto: o lançamento de um novo álbum por mês, em seu site (www.luizcaldas.com.br), disponibilizado gratuitamente para quem quiser baixar. “Por enquanto, temos cinco do projeto. Outros virão”, promete. Haja versatilidade. Acompanhe:
Como explicar o retorno do sucesso de Haja Amor, agora na internet e nas redes sociais, sobretudo entre a geração Z, composta de adolescentes e jovens adultos com no máximo 25 anos, 11 a menos do que a idade de lançamento da música?
Isso me deixa tomado de orgulho e ao mesmo tempo impressionado. Esses fenômenos são difíceis de explicar em todos os aspectos, mas acredito que a harmonia entre a letra e a levada da música, que também passa um clima de otimismo e delicadeza, contribui bastante. Na maioria dos casos, a meninada de 10, 14, 16, 20 anos, enfim, de todas as idades nesta faixa faz coreografias ao som do refrão “eu queria ser uma abelha/para pousar/na sua flor/haja amor/haja amor”. É uma mensagem de afeto sintonizada com esses adolescentes e jovens ligados em tecnologia e comprometidos com a ideia de ser feliz. A meu ver, essa composição atravessa anos e décadas porque, além de delicadeza, expressa verdade e sinceridade tanto na letra quanto na melodia.
Os números e as estatísticas ligados à música são de fato impressionantes.
Verdade. Li recentemente que há pelo menos 233 mil vídeos diferentes de Haja Amor apenas no TikTok, uma plataforma usada majoritariamente por adolescentes. Fora as outras. E o negócio continua a crescer. Vi também que, de acordo com um levantamento feito pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais [Ecad], Haja Amor foi minha música mais executada nos últimos dez anos. Como lancei centenas de composições e vários álbuns depois, é realmente de impressionar. Há um episódio engraçado, com minha neta, sobre essa história.
É mesmo? Qual?
Minha neta tem 20 anos. Chegou para mim e disse: “Vô, tem uma música do senhor, das primeiras, que está estouraaaaaaaada nas redes sociais, principalmente no TikTok, entre adolescentes e jovens. Dê uma olhada”. Comecei a prestar atenção e passei a dar risadas. Tem outra história legal. Uma amiga chegou em casa e encontrou a filha de 6 anos cantando o refrão de Haja Amor. Perguntou para a criança: “Onde você aprendeu a cantar essa música?”. A menina: “No TikTok”. A amiga virou para a filha e disse: “Essa música é do meu tempo”. E a pequena mandou direto: “Do seu tempo não, do meu”. Então está provocando um conflito positivo de gerações. O importante é todo mundo se divertir.
E seu mais recente projeto, de lançar um álbum de músicas por mês, em seu site, e disponibilizar gratuitamente o download de todos eles? São cinco álbuns mensais lançados até agora, não é?
Nesse projeto, disponibilizo músicas gratuitas em álbuns mensais no meu site, o http://luizcaldas.com.br. Nessa brincadeira, foram cinco álbuns nos últimos cinco meses. Outros virão. São músicas de vários estilos, agrupadas mais ou menos por temas. Quem faz o download do álbum pode baixar todas as músicas, capa, letras e fichas técnicas. O deste mês, abril de 2023, é o Na Alma. São dez faixas. Uma delas, Falta de Amor, é dedicada a Tim Maia. Aliás, o álbum todo tem um pouco do clima do Tim. Há ainda a participação especial do cantor, compositor, guitarrista, violonista e arranjador uruguaio Don Betto, um dos precursores da soul music no Brasil, na faixa Coisa Boa.
O álbum Na Alma está bonito. Meu predileto até agora, neste projeto, é o Na Bossa, do mês passado, março de 2023, com belas canções de bossa nova, entre elas a refinada Da Gente.
Fico feliz de você ter curtido, porque também gostei do resultado desse álbum. A bossa nova traz, e ao mesmo tempo exige, esse refinamento. Incorporou elementos do samba e do jazz com muita elegância. Nós, brasileiros, somos um pouco obrigados a amar a bossa nova.
A letra da música Fricote, seu primeiro sucesso nacional e internacional, começa com os versos “Nega do cabelo duro/Que não gosta de pentear”. Vocês foram questionados por isso?
Não. O público se identificou com a música porque ela traz aspectos do cotidiano popular baiano e das populações negras brasileiras com autenticidade e sinceridade. O deboche e as coisas que escolhi para a coreografia de Fricote, por exemplo, foram inspirados nos movimentos que as pessoas faziam nas ruas da Bahia no embalo da música. Muita gente fora da Bahia ainda acha que criamos tudo aquilo no estúdio, só por nós, mas foi uma concepção totalmente inspirada no que o povo criou nas ruas baianas ao som da música.
Fonte: entrevista.r7.com