Se para a maioria das pessoas comer é uma sensação prazerosa, para outras, ingerir determinados alimentos significa passar mal e ter vários desconfortos gastrointestinais, como é o caso de quem tem alguma intolerância.
“A intolerância alimentar é uma reação adversa do corpo que ocorre principalmente no sistema digestivo, devido à dificuldade em digerir determinado alimento”, explica Karina Gama, nutricionista clínica do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Segundo ela, o incômodo pode ocorrer tanto pela ausência ou defeito na ação de enzimas que realizam a “quebra” de alguns componentes dos alimentos quanto por substâncias presentes nos alimentos que provocam uma difícil digestão.
Entre as intolerâncias alimentares, a da lactose é a mais comum, e ocorre quando há deficiência da enzima lactase, responsável pela digestão da lactose, o açúcar presente no leite e derivados, como queijos e iogurtes.
Mas há também a intolerância ao glúten (ou sensibilidade ao glúten não celíaca), a intolerância à frutose (açúcar encontrado nas frutas, em alguns legumes e cereais e em produtos industrializados), à sacarose (açúcar de mesa) e aos carboidratos não digeridos, que posteriormente são fermentados pelas bactérias intestinais e que também são conhecidos por fodmap (derivados do leite, frutas, cereais, leguminosas e alguns adoçantes).
Qualquer pessoa pode ter intolerância alimentar e os fatores que predispõem a isso dependem de condições do próprio indivíduo, como genética, estado de saúde, estado imunológico, ou do próprio alimento, como potencial alergênico, conservação e quantidade ingerida, de acordo com Hélcio Maranhão, gastroenterologista e nutrólogo pediátrico, professor titular do Departamento de Pediatria da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Como identificar se você tem intolerância a algum alimento?
Os sintomas e sinais podem variar, mas, em geral, estão relacionados ao sistema digestivo: cólicas ou dor abdominal, estufamento gástrico, distensão, borborigmos (barulhos na barriga), náuseas, regurgitação, flatulência, constipação e até diarreia. Sintomas sistêmicos como irritabilidade, fadiga, enxaqueca, urticária e dores articulares também podem estar presentes, segundo Auzelivia Rêgo Falcão, gastroenterologista, professora da disciplina de doenças do sistema gastrointestinal e coloproctológico do Departamento de Medicina Integrada da UFRN.
Os sintomas podem se iniciar logo após ou um tempo depois da ingestão do alimento, e durar horas. O alívio costuma ocorrer após a completa fermentação dos componentes não digeridos pelas bactérias intestinais ou pela eliminação da substância através das fezes.
Mas é importante deixar claro que só o fato de se sentir mal após ingerir o alimento não se configura como intolerância alimentar. “Isso porque existem outras doenças digestivas que podem causar sintomas semelhantes, inclusive intoxicações alimentares”, afirma Falcão.
Para se suspeitar do quadro, é necessária a continuidade e persistência dos sintomas ao se consumir o alimento em diferentes momentos. “Fazer um diário alimentar descrevendo os sintomas e os alimentos ingeridos naquele dia pode ajudar”, complementa a gastroenterologista.
Caso a pessoa desconfie que tem intolerância, é recomendado que ela suspenda o alimento em questão. “Espera-se que essa medida favoreça a diminuição e resolução dos sintomas. Após algumas semanas, ela pode voltar a consumir o alimento com o objetivo de se observar se tais sintomas retornam. Em caso positivo, há grande probabilidade de ela ter a condição”, diz Maranhão.
Se a manifestação dos sintomas clínicos forem persistentes, o médico ou o nutricionista pode realizar uma avaliação detalhada para confirmação do diagnóstico. Isso inclui uma investigação sobre os antecedentes de saúde, medicamentos ou suplementos em uso, hábitos de vida, função intestinal e hábitos alimentares.
Quais testes podem ser feitos?
Alguns exames laboratoriais e específicos podem ajudar no diagnóstico. Entre eles, há o teste oral de tolerância, que ajuda a identificar a intolerância à lactose, por exemplo. Esse exame consiste em ofertar à pessoa a substância que está sendo investigada, em jejum, e após 30, 60, 90 e 120 minutos, colher o sangue para averiguar se houve a elevação da glicemia em jejum em ao menos 20 mg/dl, decorrente da digestão da substância estudada. Caso a elevação da glicemia seja inferior, constata-se que a digestão foi incompleta e não houve absorção adequada.
O teste do hidrogênio expirado parte do mesmo princípio do teste oral de tolerância, mas em vez de avaliar a alteração na glicose no sangue, o paciente sopra um aparelho que dosa a quantidade de hidrogênio expirado em jejum após a ingestão da solução padrão investigada, em intervalos que variam de 2 a 4 horas.
“No paciente com intolerância, a substância não digerida e absorvida é fermentada pelas bactérias presentes na porção final do intestino, formando o hidrogênio. Por isso, a detecção aumentada do hidrogênio na respiração reflete a incapacidade de digerir e absorver a substância de forma adequada”, explica Karina Gama, mestre em ciência dos alimentos.
Há ainda outros testes que podem ser utilizados, como o teste de acidez nas fezes, que geralmente é utilizado em bebês ou crianças, a biópsia do intestino e os testes genéticos, mais indicados quando os testes tradicionais não são conclusivos. Para a sensibilidade não celíaca ao glúten, são realizados exames para investigação da doença celíaca.
Intolerância e alergia são diferentes
Os testes para confirmação do diagnóstico são importantes, inclusive, para não confundir a intolerância alimentar com a alergia alimentar, que são condições distintas.
Como já explicado, a intolerância alimentar consiste na falta da enzima responsável pela digestão de determinado alimento, provocando dificuldade em sua absorção. Trata-se de uma condição que gera sintomas mais locais, ligados ao aparelho gastrointestinal.
Já as alergias, por se tratarem de fenômenos imunológicos, podem ter reações gerais ou comprometer diferentes aparelhos, como a pele e o aparelho respiratório, além do gastrointestinal.
Como é o tratamento?
Segundo os especialistas consultados na reportagem, o tratamento da intolerância alimentar deve ser individualizado e baseia-se na redução ou exclusão dos alimentos que causam o problema.
Algumas pessoas conseguem tolerar pequenas quantidades do produto, mas esse limite é individual. Na intolerância à lactose, deve ser dada preferência aos produtos sem lactose ou com baixo teor de lactose. Há ainda a opção de usar a enzima lactase, sob a forma de comprimidos ou em pó a ser diluído em líquidos, antes ou junto com os alimentos que contém lactose. Isso pode diminuir a ocorrência dos sintomas, mas pode não ser totalmente eficiente.
A nutricionista Gama reforça que “toda intolerância deve ser devidamente diagnosticada por um profissional de saúde para que não sejam realizadas restrições desnecessárias na alimentação”.
Fontes: Auzelivia Rêgo Falcão, gastroenterologista, professora da disciplina de doenças do sistema gastrointestinal e coloproctológico do Departamento de Medicina Integrada da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), também atua no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN); Hélcio Maranhão, gastroenterologista e nutrólogo pediátrico, professor titular do Departamento de Pediatria da UFRN, secretário do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria; Karina Gama, nutricionista clínica do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, e mestre em ciência dos alimentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (Universidade de São Paulo).
Fonte: https://www.uol.com.br/