Até agora, foram 35 casos em 2020, 25 a mais do que em 2019, aponta Promotoria especializada no enfrentamento ao racismo
Representações relativas a irregularidades na destinação e uso de cotas raciais na Bahia tiveram neste ano um aumento de 250%. É o que aponta o Grupo de Atuação Especial de Defesa dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis), do Ministério Público do Estado.
Até agora, foram 35 casos, 25 a mais do que em 2019. Primeiro MP no Brasil a ter uma Promotoria especializada no combate ao racismo, o órgão também foi pioneiro ao criar um Grupo de Trabalho (GT) para elaboração de um programa de enfrentamento ao racismo institucional.
Criado em 20 de julho deste ano, no dia da celebração dos dez anos do Estatuto da Igualdade Racial, o Grupo de Enfrentamento ao Racismo Institucional (Geri) já finalizou no início de dezembro a minuta do projeto para construção do plano de ação que vai subsidiar a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) para adoção de políticas e medidas que impliquem em alterações organizacionais voltadas ao combate ao racismo dentro da própria Instituição.
A atuação do MP tem sido intensa e constante, ampliando os canais para a sociedade denunciar os casos de racismo, apesar da pandemia ter trazido limitações. O Gedhdis também recebeu notícias de casos de discriminação racial, injúria racial, intolerância religiosa, racismo institucional, irregularidades em cotas raciais, xenofobia, entre outros. Quarenta e quatro delas chegaram ao MP por meio do Mapa do Racismo e da Intolerância Religiosa’ um aplicativo desenvolvido pela instituição para o recebimento de denúncias.
Segundo a promotora Lívia Vaz, 2020 marca um ponto de inflexão da curva de casos de racismo, injúria racial e intolerância religiosa recebidos pelo Gedhdis, mas, ao mesmo tempo, houve diferenças significativas no conteúdo dos casos. Ela diz acreditar que as transformações identificadas estejam relacionadas à influência da pandemia do novo coronavírus, que alterou a realidade da prestação do serviço.
“O atendimento ao público presencial, por exemplo, está restrito desde março e, apesar de termos números expressivos de registros de notícias de fato, por meio virtual, devemos considerar que grande parte do público atendido pelo Gedhdis convive concorrentemente com mais de uma vulnerabilidade”, afirma.
Na avaliação da promotora, as restrições impostas pelo necessário distanciamento social podem ter tornado menos acessível o uso do Sistema de Justiça por pessoas em situação de vulnerabilidade.
Recomendações para governo e prefeitura
Em 2020, o Gedhdis emitiu 23 recomendações. “Esse é o maior número anual de nossa história, um aumento de mais de 280% em relação a 2019, e isso apenas até novembro”, disse Lívia Vaz.
Foram recomendações para a Prefeitura de Salvador e o governo da Bahia no sentido de que garantissem a presença de sacerdotes e iniciados auxiliares em sepultamentos de adeptos de religiões de matrizes africanas durante a pandemia e para a utilização dos sepultamentos em gavetas ou cremações como último recurso, inclusive no caso de povos indígenas.
Às secretarias de Manutenção da Cidade do Salvador e de Reparação foi orientado que, quando da realização de podas necessárias em árvores sagradas para os religiosos de matrizes africanas, deve-se agir sob as orientações do sacerdote. Ao Hospital Geral do Estado, o MPBA recomendou a observância aos critérios objetivos determinados pelo Código de Ética Médica quando da necessidade de utilização da tecnologia de transfusão de sangue e hemoderivados sem a anuência do paciente e/ou de sua família por motivo de crença religiosa. Dentre outras, foi recomendado ainda ao delegado-geral de Polícia Civil que expeça orientação aos demais delegados sobre a impossibilidade da concessão de fiança em crime de injúria racial, conforme jurisprudência e legislação.
“O MP da Bahia sempre esteve muito atento a esse fenômeno do racismo, que infelizmente nos define estruturalmente enquanto sociedade. Fomos os primeiros a criar, ainda nos anos 1990, uma Promotoria exclusiva ao combate ao racismo e à intolerância religiosa e temos também um projeto institucional ‘Todos Contra o Racismo’”, diz o o promotor de Justiça Edvaldo Vivas Gomes, o coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (Caodh), ao qual o Gedhdis é vinculado.
“Entre os produtos desse projeto, temos o Mapa do Racismo e o Geri, que é um órgão consultivo da Procuradoria-Geral de Justiça, para promover políticas institucionais de enfrentamento ao racismo dentro do MP. A gente pretende fazer um grande censo racial no MP baiano, de todos os integrantes, e fomentar ações para criação de oportunidades laborais e coibir violência institucional na Instituição”, explica Gomes.