Desenvolvido em Erechim, protótipo de alunos ganhou o título de mais eficiente da América Latina, em competição internacional organizada pela petrolífera Shell
Seja de manhã, à tarde, à noite ou em plena madrugada, um grupo de jovens pode ser visto diligentemente mexendo em um veículo branco, de formato estranho, aparência que indica fragilidade e que, a julgar pelo que se vê, não tem nada de especial. Eles testam, abrem, fecham, mexem, levam para cá e para lá. Passam por praças, galpões, avenidas, o estacionamento de um supermercado. Estudam, dia após dia, maneiras de tornar o “carrinho”, como o chamam, cada vez melhor.
A equipe Drop Team, formada por estudantes de Engenharia Mecânica no campus Erechimdo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), fez o protótipo do zero. O nome do time – drop, em inglês, nesse contexto, significa “gota” – faz referência ao formato do veículo, assim desenhado em busca de aerodinâmica, e também ao objetivo dos jovens: fazê-lo ir longe rodando com apenas uma gota de combustível. A equipe tenta também desenvolver tecnologias que possam ser implementadas em larga escala para diminuir a poluição e reforçar o uso racional dos recursos fósseis. Eles estão chegando lá.
O Albatroz (informação de bastidores: o nome do último modelo havia sido trocado para “Murphy”, mas as coisas começaram a dar errado, talvez por conta de uma certa lei…) voou baixo em competição realizada na Califórnia (EUA), em abril: alcançou 543 quilômetros por litro de gasolina, conquistando a terceira colocação na categoria combustão interna a gasolina, atrás de uma equipe canadense e uma norte-americana.
É isso mesmo: um veículo movido a gasolina e desenvolvido no Brasil conseguiu se locomover de maneira 35 vezes mais eficiente que a marca de um carro de rua considerado econômico, que rode 15 quilômetros com um litro de gasolina. E sagrou-se merecedor do título de veículo mais eficiente da América Latina, em competição realizada pela multinacional petrolífera Shell.
— Ele vibra bastante, a condução é pesada, comparando com um automóvel de rua. O motorista fica quase imóvel, encolhido, para poder caber nele. É questão de aerodinâmica. Por incrível que pareça, é apertado — fala Izequiel Balsanelo, 21 anos, estudante do 5º semestre de Engenharia Mecânica e piloto do “carrinho”.
Aluno Izequiel dentro do “carrinho”
O veículo não preza pelo conforto: pesa cerca de 50 quilos, recebe um único passageiro – o próprio piloto – e é difícil de manobrar. Basicamente, só se move para frente, fazendo até 50 quilômetros por hora (os alunos não passam de 20, por segurança). Mas é para isto que servem os protótipos: para testar conceitos que, se derem certo, podem ser aplicados nos veículos do dia a dia. E não seria bom?
— As pessoas acham quase inacreditável. O que mais notamos é um estranhamento: “Meu carro consegue fazer no máximo 15 quilômetros por litro”, dizem, “e vocês fazem 500!”. Mas é a tecnologia, né? O principal fundamento do protótipo é você desenvolver a tecnologia para poder aplicar no carro de rua. Ou seja, toda a tecnologia desenvolvida aqui um dia vai ser aplicada em um carro de rua. Ainda que dificilmente um carro de rua vá fazer uma quilometragem dessa, devido à massa — pondera o piloto.
O projeto, hoje com 14 alunos e dois professores integrantes, começou em 2016, quando a equipe participou de sua primeira competição. Naquele ano, porém, eles sequer conseguiram finalizar a prova.
— Aquilo nos deixou com “sangue nos olhos”. Queríamos muito conseguir resultados melhores. Então começamos a trabalhar mais e mais, e em 2017 já chegamos ao pódio da maratona nacional para veículos eficientes. Ano após ano, temos feito modelos melhores, sempre buscando um aprimoramento — descreve Gabriel Salini, 21 anos, aluno do 9º semestre e ex-capitão da equipe.
Mas não é só de competição e bons resultados que o time Drop é feito. O que faz eles levantarem cedo, ocuparem diversos turnos fora de aula preocupados com a veloz “gotinha” e, por vezes, seguirem madrugada adentro testando a máquina não é apenas a busca de status e recordes: é o companheirismo e uma série de aprendizados que também se busca desenvolver entre os integrantes. O responsável é o professor Airton Campanhola Bortoluzzi, que leciona tanto no curso técnico quanto no bacharelado em Mecânica. No IFRS, como nos demais institutos federais, toda pesquisa é muito voltada para sua aplicação prática.
Os estudantes trabalham em todas as fases do projeto, que é pago pelo Instituto Federal do RS e por empresas parceiras
E é com essa ideia que Bortoluzzi decidiu criar a equipe. Engenheiro com destacada carreira profissional – estava prestes a disputar um cargo de gerente de projetos em uma gigantesca empresa de alimentos quando resolveu dar aulas –, ele quer passar tanto os conhecimentos teóricos quanto os empíricos para os jovens.
— Não é só para dar aula que vou lá. Ajudo os alunos, futuros engenheiros, a fazer o que eu fazia. Se possível, fazer melhor, porque vão contar com minha experiência. É isso que tento passar no projeto: a parte de gerenciamento, de planejamento, de atingimento de metas, e buscar a técnica necessária. Fico satisfeito com isso, esse é o meu resultado do projeto — garante o professor.
Esses ensinamentos são passados desde a seleção. Curiosamente, não se olha para o histórico escolar dos concorrentes: os “recrutadores” – sim, porque tudo funciona como se fosse uma empresa de verdade – avaliam o comportamento, a motivação e a capacidade de trabalhar em grupo dos interessados. O que se busca, mais do que a criação de um carro eficiente, é a evolução de cada um a partir da evolução da equipe.
— E, a partir disso, a gente tem avaliação do desenvolvimento individual. Orientamos eles sempre em busca do melhor desempenho — orgulha-se Bortoluzzi.
Nas paredes dos laboratórios utilizados pela equipe, logo se nota esse foco. Há seções com anotações sobre o que se fez ou se está fazendo, o que se testou e o que se está planejando, quais são os problemas e quais as sugestões para melhorar. Os próprios alunos definiram uma espécie de livro de regras que prevê, para os faltosos ou menos participantes, punições como a não participação de competições e, mais grave de todas, a expulsão do grupo.
É tudo levado muito a sério. Também pudera: a “brincadeira”, além de demandar muito tempo deles, também custa caro. Cada modelo tem um custo estimado de até R$ 40 mil. Desde o início do projeto, calcula o coordenador do grupo, foram gastos aproximadamente R$ 200 mil entre desenvolvimento de protótipos, viagens para participar de competições e compra de materiais. O instituto federal banca algumas dessas despesas, mas a maior parte só é possível por conta de patrocínios.
Para essa turma, representar Erechim, o Rio Grande do Sul e o Brasil com resultados tão significativos é uma forma de devolver à comunidade os investimentos feitos no ensino público. Por isso a equipe está sempre pensando em formas de mostrar suas conquistas e agradecer pelo apoio que tem recebido. Mas eles querem mais. Agora, com toda a disposição que já demonstraram e motivados pelos bons resultados obtidos, o objetivo é aprimorar o protótipo até conseguir torná-lo ainda mais eficiente, chegando aos mil quilômetros por litro. Alguém duvida?
A equipe Drope Team completa, diante de seu orgulho: o Albatroz
Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br